quinta-feira, 21 de abril de 2016

Zach Condon um dia resolveu sair de Santa FéNovo México, onde nasceu, pra conhecer novos ares: foi pra o Leste Europeu estudar música. Lá tomou contato com as raízes do Folk (Música Cigana e elementos Sefardita) tocados ainda com instrumentos tradicionais (acordeão, metais e percussão), mas não foi só, também presenciou as dificuldades do povo que saia do regime comunista, apesar de já serem os anos 2000, e tentava se adaptar ao livre mercado.

Santa Fé, no Novo México, apesar de capital do Estado, não é o que se pode chamar de uma cidade de grande importância para o cenário Norte Americano, muito menos mundial (situação bastante semelhante ao que encontrou nas cidades que conheceu no Velho Mundo); além disso, é também uma excentricidade na região desértica em que se encontra, pois é a única cidade, nas cercanias, em altitude elevada, isso faz dela também única por ter o clima bem próximo daquele de países europeus, sobretudo os distante do Atlântico ou do Mediterrâneo. A cidade, antes da invasão caucasiana, era povoada por índios Hopi, civilização também fora do comum na América do Norte, que habitavam os famosos “Pueblo”, habitações construídas com armação e argamassa, muito juntas, e até umas sobre as outras. Os primeiros brancos a chegarem foram os espanhóis, que, mais tarde, se tornaram mexicanos, por isso, antes de um dos estados dos EUA, foi uma das províncias mexicanas, passando a pertencer aos Norte Americanos depois de um acordo que pôs fim à Revolução do Texas; logo, trata-se, desde muito cedo, de uma região multicultural; outra característica de Santa Fé e essencial fonte de renda para a cidade: Arte (regional e contemporânea).

O lugar recebe visitantes de todo o país a fim de conhecer os “Pueblo” e a arte indígena; porém a cidade também é um importante polo de produção de arte contemporânea e regional. Na música popular, não se pode deixar de notar a forte influência dos naipes de metal e das cordas dos chamados Mariachis, tão comuns no México Rural.

Aliás, este é um dos fatos mais curiosos nas composições de Zach Condon e sua Orquestra, muitos dos arranjos lembram e muito esse som característico do interior mexicano (mais tarde, num outro trabalho, o grupo compôs durante e depois de uma temporada no país latino vizinho); só fica difícil saber se se essa semelhança foi um achado do líder da banda durante sua estadia em terras europeias ou se ele pôs o pé na estrada justamente por que sabia que lá se encontrava o que ele buscava: o ponto inicial da música folclórica do lugar em que nasceu.

Os dois primeiros álbuns do bando, “Gulag Orkestar” (9 de maio de 2006) e “The Flying Club Cup” (9 de outubro de 2007), são os melhores (gosto pessoal) principalmente, sobretudo o primeiro, por terem um ar bem artesanal: instrumentos acústicos e tradicionais e mixagem quase inexistente; em “Gulag Orkestar” algumas canções têm a vocalização quase parecendo um improviso de letra sobre uma melodia concebida. Aliás, melodia e vocalizações são o ponto chave das composições: são músicas feitas para cantarolar, bem melódicas e com letras curtas, fáceis de memorizar, lembram muito as tradicionais Chansons francesas, que se ouve uma vez e já se sai cantando mesmo sem saber muito a letra.

Por falar em letra, pode-se dizer que Zach não é um escritor nato, não é o seu forte o poema metrificado, aquele que cabe certinho na música, tanto que são poemas curtos, muitas vezes, em algumas canções, trocados por larariralá pelo próprio interprete, quer dizer, o importante mesmo é a estrutura melódica, feita pro sujeito sair assobiando pelos cantos. Contudo, isso não quer dizer que sejam superficiais, ao contrário, são extremamente profundas, sentimentais e conscientizadoras, tem muito de escola simbolista nelas: no lugar de musas, cidades ou paisagens; no lugar de amigos ou inimigos, fenômenos naturais ou situações atípicas, no lugar de sentimentos ou desejos, entorpecentes ou prazeres de banquete, etc. As letras das canções dos dois primeiros discos têm um eu-lírico bem à vontade com um ambiente de decadência material onde parece que tudo desmorona, não há mais urgência em nada, as coisas são envelhecidas e os amores são desimportantes. O eu-lírico parece não se importar se um amor começa, se tem continuidade ou se termina, ele vem, fica ou vai quando e como quer, como se fizesse parte de algo natural, que não se pode controlar, nem querer, nem não querer: se chega, é bom; se fica, é bom; se vai, é bom porque esteve. Parece com algo de retomada do amor natural que existia antes da romanização e da cristianização da cultura, onde, no primeiro caso, se ama pra obter prazer e/ou riqueza e, no segundo, se ama somente se for pra manter laços de família e procriar a espécie.

Tudo nas canções, apesar de serem agradáveis aos ouvidos, lembra a melancolia, as letras, que soam como decadentes e sem força expressiva, e as construções melódicas, que buscam sempre repouso nos tons mais graves; a princípio, podem até parecer alegres (como pensei), por manterem, quase sempre, notas altas; porém essas notas altas são alcançadas a partir de uma nota bem baixa, nota essa sempre buscada como repouso pelo cantor; então, numa leitura mais atenta, se percebe o efeito melancólico por trás de uma aparente alegria, que é justamente a naturalidade dos acontecimentos que o eu-lírico tenta expressar: não tenho mais, mas estou satisfeito por ter tido, ou,  a vida é assim mesmo.

Tudo nas canções também lembra que estamos rápidos e ligados demais, mas de um modo muito sutil: desligaram tudo e se tornaram extremamente acústicos, com instrumentos feitos para serem acústicos e móveis (metais, cordas e batuques); diminuíram muito o andamento, pros dias atuais, soam quase como marchas fúnebres de tão lentas; sou ciclista por prazer desde menino (1984) e gosto de pedalar e ouvir música enquanto penso em muitas coisas, inclusive textos; fato é que, pedalando, quando começam as canções de “Beirut” no player, o ritmo diminui drasticamente, isso por causa do andamento das musicas que são muito mais lentas do que aquelas que costumamos ouvir hoje em dia, quer dizer, em pleno Século XXI, nos lembram de que estamos indo rápido demais e ligados demais, cantando e tocando sobre as “Cidades Mortas” do Leste Europeu, misturando Valsa e Mariachi.

A partir do terceiro disco, de quatro, fora os EPs, “The Rip Tide” (Agosto de 2011), Condon e sua trupe voltam a flertar com a música eletrônica e as canções de amor pop e up, com um andamento um pouco mais ligeiro que os anteriores, mas ainda bem mais lento que seus contemporâneos; Zach, antes de sua viagem pela Europa, tocava e cantava em grupos com influência eletrônica e lo-fi. Passa a cantar mais sobre os lugares próximos de sua terra natal, antes deste LP, haviam lançado um EP, “March of the Zapotec/Holland " (17 de Fevereiro de 2009) onde colocaram suas impressões sobre o México e os Países Baixos, outra viagem; isso se deu depois que tiveram uma experiência não muito agradável durante uma turnê pelo Brasil: o líder do grupo não estava satisfeito com a qualidade das apresentações e teve um tímpano perfurado em uma delas inclusive; a impressão que se tem desse disco é a de que seria quase impossível repetir o clima encontrado para as composições dos primeiros discos, já que foram feitos por iniciativa própria e quase despretensiosa, diferentemente do que se veria a partir daqui: viagens a trabalho; assim, o prazer e a quase despretensão viriam do fato de estar em casa, seria impossível falar de sentimentos no meio do trabalho.

“No, I don't want to be there for no one I'd stay here”
(Port Of Call, Beirut - The Rip Tide - Pompeii Records; EUA, agosto de 2011)

Em “No No No” (setembro de 2015), quarto LP, como já era esperado, o grupo abandona de vez os instrumentos acústicos compondo um álbum inteiramente eletrônico, tendo como instrumento principal o piano elétrico. O álbum foi muito bem recebido pela crítica, apesar da completa guinada na direção dos rumos estéticos da banda, por conta do trabalho muito bem acabado, um dos melhores das bandas pop; as canções de “No No No” deixam o Indie bem de lado e se aproximam ainda mais das levadas pop; mas isso não seria pejorativo, afinal, fizeram um ótimo trabalho. O que também se passa a notar a partir do terceiro disco, e que se refina mais nesta quarta obra, são as composições dos poemas, mais extensos e perfeitamente metrificados, caindo como uma luva nas melodias; porém, a profundidade temática, que já começava a decair no disco anterior, cai ainda mais neste LP, talvez um fato natural pra poética de um autor que, baseado em viagens e lugares, passa a cantar o estabelecimento; algo como: de que modo um poeta errante pode continuar poeta ao se estabelecer? Fato explicado pelo próprio Zach ao dizer que agora é um homem casado, com um cão e um gato no quintal, isto é, só se poderia esperar dele agora a lírica cotidiana. Mesmo assim o disco, que aumentou ainda mais um pouco o andamento geral das canções (quase Século XXI), é capaz de derrubar qualquer lançamento pop de seu tempo, por cuidado estético e ideológico.



REFERÊNCIA 
 
Beirut
Wikipédia - Beirut
Beirut –LETRAS.MUS.BR
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