domingo, 28 de agosto de 2016

2112

2112
O futuro chegou?


O Rush começou em 1968, em Ontário, com Jeff Jones, no baixo e no vocal, John Rutsey na bateria e  Alex Zivojinovich nas guitarras, mais conhecido como Alex Lifeson. O nome, sugerido pelo irmão de Rutsey, batizou o grupo e sinalizou o início oficial da banda. Depois de várias mudanças na formação, a definitiva aconteceu em maio de 1971, constituída de Alex Lifeson, Geddy Lee e John Rutsey.

Em 1974, lançaram o primeiro LP, "Rush", de forma independente e distribuído pela "Moon Records", que restringiu o alcance ao publico consumidor de Ontário; porém, com a divulgação da Rádio Ohaio, o álbum cresceu em demanda, por isso foi redistribuído pela "Mercury Records", que deu conta do inesperado relevante sucesso de então, em outros centros inclusive.

Neil oficialmente juntou-se à banda em 29 de julho de 1974, duas semanas antes da primeira turnê do grupo nos Estados Unidos, para substituir John, que se viu obrigado a afastar-se por problemas de saúde. Neil tornou-se também o letrista principal, no lugar de Geddy, que possuía muito pouco interesse em escrever. Assim, Geddy e Alex resolveram focar nos aspectos instrumentais da banda, fato que possibilitou uma evolução artística surpreendente do conjunto; começava a formar-se uma das bandas mais completas do mundo e, por isso, uma das mais premiadas: prezavam pelo primor, pelo vigor e pela originalidade na instrumentação, harmonização e composição de arranjos, isso sem falar no cuidado semiológico ao construir as letras das canções;  a fantasia, a filosofia e a ficção científica, presentes nos temas, se tornaram marcas das canções do grupo e são pistas incontestável do interesse de Neil por estes assuntos.

Apesar de, desde o princípio, o Rush ser identificado como exímios instrumentistas (o que os colacava em igualdade com o que buscavam as bandas da época) no primeiro álbum, ainda eram apenas uma banda de Rock, ou Hard Rock, com muita influência do Blues, mais próximos dos Rolling Stones, que dos progressivos. Isso só mudou com a entrada de Neil e a gravação do segundo álbum "Fly By Night", que alçou os músicos no voo noturno das composições cabeça e da atitude intelectual.

A virada estética da banda não agradou nada o público, que passou minguar em cada apresentação das turnês; porém, com elogios sinceros e frequentes da crítica especializada, não se deram por vencidos e ousaram voos ainda mais imprevisíveis, lançando, em 1976, "2112", que trazia uma composição com vinte minutos de duração, impossível de ser executada em qualquer meio de comunicação da época, mas que foi seu primeiro grande sucesso de vendas, e o primeiro disco de platina do Canadá.

O grupo, que veio da tradição do Rock e do Blues, mas que já indicava suas intenções de renovação da música pop, se dedicando ao aprimoramento da composição e da interpretação (mais complexas), do seu voo noturno, emerge para um salto quântico para 2112, deixando, assim, evidente o futurismo que abraçaria depois dali.

1976, que transgredia no Hard Rock, no Metal e no Disco (este último para os dândis), apontou para o futuro em todas as suas possíveis amplitudes: de coisas como a abolição da pena capital (Canadá) ao lançamento da sonda Viking, cujo principal objetivo era alcançar o espaço mais longínquo levando informações sobre nossa humilde vida neste planeta. Foi também, para aquele incauto que não se atina, o ano de lançamento da Apple por Steve Jobs e Steve Wozniac, indústria (e conceito) que modificou totalmente nosso modo de viver hoje. Parecendo que os turbulentos movimentos dos anos 1960 se arrefeciam, o que restava para a nobre, e enriquecida, gente da década seguinte era pensar num futuro melhor e tecnologicamente facilitado e ampliado, mas sacrificando, em troca, a individualidade e a força criativa do homem. E o "Rush" pretendia participar e dar seu quinhão de humanidade a este futuro que presente se fazia.

Com "2112", expressaram toda sua verve futurística influenciados por autores de ficção científica e bandas progressivas do Reino Unido, que acabavam de conhecer e com quem passaram a conviver; os integrantes do Rush deixaram os sintetizadores e novos instrumentos tecnológicos se agregarem muito naturalmente à sonoridade do grupo, quase como uma evolução natural para quem buscava o aprimoramento técnico e estético na composição e na interpretação das canções.

"2112' é uma faixa com cerca de 20 minutos dividida em sete partes contida no Lado A do álbum, que conta a trajetória de um indivíduo vivendo (em 2112, provavelmente, considerando o título da obra) em um dos planetas de uma fictícia "Federação Solar", planeta este dominado pela tecnologia e pelo coletivismo, controlado e mantido por "Sacerdotes dos Templos de Syrinx", que fazem com que tudo continue em sua normalidade ao mostrarem as maravilhas de se viver num mundo organizado e com tudo pré concebido, com a vantagem de tudo parecer bom e agradável, e evitando qualquer princípio de criatividade e desvio de conduta que valorizem o individuo em detrimento do coletivo. Porém, o protagonista, em certa ocasião, descobre algo sem lugar neste mundo perfeito e ordenado: uma guitarra, que o deixa fascinado. Este trecho está em "Discovery", parte III da faixa, em que se percebe a primeira vista do instrumento pelo protagonista da jornada futurística como se fosse algo que poderia mudar por completo, não só sua própria vida, mas a de muitos: com a guitarra poderia, quem quisesse, exercer sua fonte vital de criação e descoberta; todavia, ao apresentar sua descoberta, parte IV, os "Sacerdotes" dizem já conhecer o tal instrumento e que este não teria nada a agregar ao mundo perfeitamente regulado em que viviam. Desanimado com a falta de lugar pra si e pra sua descoberta no Planeta da Federação Solar, o protagonista cai em sono profundo e sonha com um "Oráculo" que lhe orienta a 'voltar' ao "Planeta" e modificar tudo o que existia ali, mas este não parece ter forças para enfrentar os perigos e encabeçar tal empreitada; a última parte propõe um enigma aos ouvintes: "Attention all Planets of the Solar Federation / We have assumed control." (Atenção todos os Planetas da Federação Solar / Nós assumimos o controle); mas é difícil saber se é um aviso enviado por aqueles que também fizeram suas descobertas e, por fim, tomaram o comando de tudo (e não sabemos como nem por quem comandados) ou se trata de um aviso dado pelos "Sacerdotes dos Templos" aos demais planetas, que estariam, também, sob seu controle tecnológico. A perspectiva do ouvinte é que deverá manipular a interpretação deste "Grand Finale".

Lado A

As sete partes de "2112" são:

"I. Overture": instrumental e alegre, que apresenta sequências de notas similares a frases de “Overture 1812", de Tchaikovsky, criada pelo compositor para celebrar a vitória dos russos sobre o exército napoleônico em 1812, exército que vinha trazendo as ideias de liberdade, igualdade e fraternidade da revolução francesa para o reino latifundiário da Rússia. Esta abertura, em tom festivo, é finalizada com uma citação do novo testamento de São Mateus: “And the meek shall inherit the earth” (E os mansos herdarão a terra), o que, considerando as doze fases da jornada do herói mítico, de Joseph Campbel, seria o fator desencadeador da crise na narrativa (levando em conta apenas a abertura).

"II. Temples of Syrinx": é apresentado o mundo futurístico em que vive o protagonista, onde tudo é ordenado e controlado por máquinas a serviço do bem estar da coletividade aos cuidados dos Sacerdotes. Neste cenário apresentado, não cabe a ninguém, nem aos Sacerdotes, criar novas soluções ou enfatizar o indivíduo; tudo é predeterminado e preconcebido para que cada um tenha seu justo lugar na comunidade, que é a única relevante. Assim, o sujeito, o protagonista, teria que abdicar de sua natural força individual e criadora para caber e viver em paz no Planeta da Estrela Vermelha.

"III. Discovery": o protogonista, então, descobre algo capaz de estimular sua força criadora: a guitarra (e a música), que o deixa tão maravilhado que quer compartilhar a descoberta com todos, como uma espécie de salvação pra qualquer um que fosse como ele, mas, antes, teria que apresentá-la aos Sacerdotes dos Templos: sem o aval destes, não poderia seguir em frente com suas intenções. 

"IV. Presentation": os Sacerdotes afirmam já conhecerem tal instrumento e que, de suas perspectivas, não teria utilidade alguma para o sistema já consolidado e aceito, podendo até mesmo ser nocivo ao estabelecido, portanto, devendo ser rejeitado e esquecido.

"V. Oracle: The Dream": decepcionado e desanimado, o protagonista cai em sono profundo e sonha com um "Oráculo", a quem, se explicando, pede uma luz (Dream can't you show me the light?). Este lhe orienta a voltar para reinvindicar o lar ao qual pertence, votar para romper, voltar para mudar (To claim the home where they belong / Home, to tear the Temples down... / Home, to change.).

"VI. Soliloquy": o protagonista acorda do sonho e percebe a dificuldade extrema em realizar o que conheceu através do "Oráculo"; na realidade que o cerca, lamenta ter que acordar: "I heave a sigh and sadly smile / And lie a while in bed / I wish that it might come to pass / Not fade like all my dreams" (Eu suspiro e sorrio triste / E deito um instante na cama / Quisera que isto pudesse acontecer / Não sumir como todos os meus sonhos). O protagonista encerra seu solilóquio com versos que remetem a uma profunda depressão diante da realidade que se lhe apresenta em contraponto ao sonho que teve e guarda: "My spirits are low in the depths of despair / My lifeblood spills over." (Minhas vitalidades estão baixas nas profundezas do desânimo / Meu sangue derrama.), lembrando também o novo testamento na cena em que Jesus, sozinho, no Monte das Oliveiras, chora sangue e afirma estar já sem forças, mas que, mesmo assim, intenta obedecer às ordens do Pai, que o levarão à Cruz.

"VII. The Grand Finale": a parte mais enigmática das sete. A partir do texto, só é possível fazer suposições, pois está do seguinte modo (Attention all Planets of the Solar Federation / We have assumed control), que, literalmente, é (Atenção todos os Planetas da Federação Solar / Nós assumimos o controle.), trecho sem complexidade sintática, mas, dentro do texto em que está inserido, quase impossível de ser decifrado, já que as pistas deixadas nas partes anteriores não nos permitem dizer com certeza qual dos lados está tomando o controle de quê: se os músicos criativos do "Planeta dos Templos de Syrinx", ou se os Sacerdotes do restante da "Federação". Temos apenas três vias de acesso ao entendimento: as doze fases da jornada do herói mítico que afirmam que o protagonista, depois da jornada, obrigatoriamente ressurge e retoma o controle da situação; as chaves que remetem ao novo testamento, onde o Cristo retorna e instaura a Nova Jerusalém, fazendo com que os mansos herdem a Terra (qual das partes seria a dos mansos é que é a questão a ser resolvida a partir daqui); a terceira e última via de acesso seria a simples (e complexa) analise do mundo que herdamos (dos que seguem sem questionar ou dos que recriaram outro possível modo de existir).

Realmente genial!


Lado B

Segundo muitos críticos e ouvintes, o Lado B não teria relação alguma com o Lado A, pois seria composto de seis canções bastante comerciais, pra época, com a finalidade única de agradar às rádios, à gravadora, aos produtores, aos consumidores e para que não reclamassem ao se virem obrigados a se sentarem por mais vinte e tantos minutos para que pudessem entender completamente o que lhe estava sendo "dito" neste lado do álbum.

Porém, considerando a faixa "2112" do Lado A, considerando que se trata de uma jornada heroica em busca da liberdade, considerando que se trata de uma jornada futurística e, por fim, considerando que se trata de uma jornada com um desfecho um tanto enigmático, pois não se poderia afirmar quem realmente teria vencido a batalha e tomado o controle da "Federação Solar", pode-se também chegar a uma, ainda que vaga, conclusão diferente unindo-se o Lado B ao Lado A a partir da primeira canção, "A Passage To Bangkok", onde um grupo de protagonistas afirma estar, no momento, rumo ao Oriente, figurado em qualquer parte do globo, onde teriam todos os prazeres e delícias que este, e seu povo, lhes poderiam oferecer (mesmo que seja claramente situado no Planeta Terra e não naquele ficcional de "2112"). Assim, pode-se seguir por dois caminhos: sendo o lado B o tempo anterior ao futuro "2112" (portanto nossa Terra seria o passado do "Planeta da Estrela Vermelha"), trataria esta canção do que o mundo perfeitamente controlado por trabalho e por máquinas poderia oferecer com uma rápida folga do real e do concreto (a desordem, a falta de sentido, o prazer e a embriaguez); sendo o Lado B uma continuação cronológica do Lado A, seria então aquilo em que teria se tornado o Planeta da Estrela Vermelha caso os revolucionários, os libertários, tivessem tomado o controle (um mundo onde a liberdade criativa estivesse potencializada a fim de criar uma outra ordem das coisas, e a Terra de nossos dias).

Parto eu da primeira hipótese, considerando o tipo de ordem vigente que continuamos a ter e considerando a ficcional e teórica SOMA, elemento químico presente em "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, que servia, em sua obra, como propiciador de prazer e de controle sobre aqueles que o ingeriam, a numerosa população trabalhadora. Desse modo, "Ir a Bangkok" significaria beber um pouco deste elixir a fim de "escapar", mesmo que por pouco tempo, da pressão do mundo extremamente organizado e controlado, para que tudo pudesse ser mantido como sempre foi, sem alternativas e sem questionamentos.
"A Passage To Bangkok"
Our first stop is in Bogota
To check Columbian fields
The natives smile and pass along
A sample of their yield
Sweet Jamaican pipe dreams
Golden Acapulco nights
Then Morocco, and the East,
Fly by morning light
We're on the train to Bangkok
Aboard the Thailand Express
We'll hit the stops along the way
We only stop for the best
Wreathed in smoke in Lebanon
We burn the midnight oil
The fragrance of Afghanistan
Rewards a long day's toil
Pulling into Katmandu
Smoke rings fill the air
Perfumed by a Nepal night
The Express gets you there
(RUSH - 2112 -  MercuryRecords; Toronto, 1976)

("Uma Passagem Para Bangkok": / Nossa primeira parada é em Bogotá / Para checar os campos colombianos / Os nativos sorriem e distribuem / Amostras de seus produtos / Sonhos com o doce cachimbo Jamaicano / Noites douradas de Acapulco / Então Marrocos, e o leste / Viajando na luz da manhã // Estamos no trem para Bangkok / A bordo do Expresso da Tailândia / Nós atingiremos as paradas no decorrer do caminho / Nós só paramos para o melhor // Cobertos por fumaça no Líbano / Nós queimamos o óleo da meia-noite / A fragrância do Afeganistão / Recompensa o trabalho pesado de um longo dia / Entrando em Katmandu / Anéis de fumaça enchem o ar / Perfumado por uma noite do Nepal / O Expresso leva você lá)

Além disso, há também marcas no texto capazes de confirmar esta hipótese :

"The fragrance of Afghanistan
Rewards a long day's toil"
           (RUSH - 2112 -  MercuryRecords; Toronto, 1976)
(A fragrância do Afeganistão / Recompensa o trabalho pesado de um longo dia)

Seguindo em frente, a próxima parada seria "The Twilight Zone" (A Zona do Crepúsculo), onde, se considerarmos  a ida a Bngkok, como ato rejuvenescedor, curativo e proporcionador de continuidade: estado de repouso inicial, se tem um protagonista em um novo patamar: um lugar escuro onde os sonhos é que orientam, através do descontínuo (oposição ao regrado pela ordem e continuidade).

"The Twilight Zone"
A pleasant faced man steps up to greet you
He smiles and says he's pleased to meet you
Beneath his hat the strangeness lies
Take it off, he's got three eyes
Truth is false and logic lost
Now the fourth dimension is crossed...
You have entered the Twilight Zone
Beyond this world strange things are known
Use the key, unlock the door
See what your fate might have in store...
Come explore your dreams' creation
Enter this world of imagination...
You wake up lost in an empty town
Wondering why no one else is around
Look up to see a giant boy
You've just become his brand new toy
No escape, no place to hide
Here where time and space collide
You have entered the Twilight Zone
Beyond this world strange things are known
Use the key, unlock the door
See what your fate might have in store...
Come explore your dreams' creation
Enter this world of imagination...
 (RUSH - 2112 -  MercuryRecords; Toronto, 1976)
("A Zona do Crepúsculo": Um homem de rosto amável caminha para te cumprimentar / Ele sorri e diz que é um prazer te conhecer / Sob seu chapéu a estranheza existe / Tire-o, ele tem três olhos / Verdade é falsa e a lógica, perdida / Agora a quarta dimensão é cruzada // Você entrou na Zona do Crepúsculo / Além deste mundo coisas estranhas são conhecidas / Use a chave, destranque a porta / Veja o que seu destino pode ter guardado / Venha explorar a criação dos seus sonhos / Entre neste mundo de imaginação // Acordar perdido em uma cidade vazia / Pensando por que não há alguém ao redor / Olhe para cima para ver um garoto gigante / Você acabou de tornar-se seu mais novo brinquedo / Sem escapatória, nenhum lugar para se esconder / Aqui aonde Tempo e Espaço colidem // Você entrou na Zona do Crepúsculo / Além deste mundo coisas estranhas são conhecidas / Use a chave, destranque a porta / Veja o que seu destino pode ter guardado / Venha explorar a criação dos seus sonhos / Entre neste mundo de imaginação).

Ainda considerando "A Passage To Bangkok" como aquilo que se teria como recompensa, num mundo antes do ficcional "2112", para um cotidiano forçosamente bem regido e estável, esta "Twilight Zone" poderia ser considerada uma espécie de desacordo, uma falta de prazer, ou de sensação de prazer, com a tal passagem pelo Oriente, o que proporcionaria, ao contrário disso, uma descida à escuridão, à frieza e ao nunca visto (por isso estranho); analogamente, seria o mesmo que se viu no Lado A do disco quando o protagonista de "2112" teve sua apresentação menosprezada, e proibida, pelos "Sacerdotes dos Templos" e, caindo num sono profundo, por estar em desacordo, tem um encontro com o "Oráculo", o sonho, que lhe orientou de que forma deveria agir a partir de então. Neste Lado B o protagonista não é convidado a agir, mas a explorar toda sua potencialidade em imaginação, na "Zona do Crepúsculo".

Depois dessa descida aos porões dos sentidos e dos pensamentos, também em oposição àquilo que ocorreu com o protagonista presente no Lado A do disco (aqui um que estaria no futuro deste do lado B), o protagonista do lado B retorna de um lugar não descrito (talvez "A Zona do Crepúsculo") com "Doces lembranças" e intentando "ensinar" o que lhe foi "ensinando" como "o caminho para seguir". No lado A, em "2112", o protagonista, depois de receber estritas orientações do "Oráculo" para que agisse e "mudasse" a ordem das coisas, se vê tomado por angústia e falta de força para enfrentar e mudar a realidade, o que acaba por lhe paralisar e deixa o ouvinte sem saber ao certo se houve ou não uma mudança e encabeçada por quem, já que, a partir da extrema tristeza e impotência cantada pelo protagonista em "VI. Soliloquy" é possível até imaginar que este não teria sobrevivido por um motivo qualquer ou desistido da luta. 

"Lessons"
Sweet memories
Flashing very quickly by.
Reminding me,
And giving me a reason why.
I know that
My goal is more than a thought.
I'll be there,
When I teach what I've been taught,
And I've been taught...
You know we've told you before,
But you didn't hear us then.
So you still question why.
No! You didn't listen again.
You didn't listen again.
Sweet memories.
I never thought it would be like this.
Reminding me
Just how close I came to missing.
I know that
This is the way for me to go.
You'll be there,
When you know what I know.
And I know...
You know we've told you before,
But you didn't hear us then.
So you still question why.
No! You didn't listen again.
You didn't listen again.
 (RUSH - 2112 -  MercuryRecords; Toronto, 1976)
("Lições": Doces lembranças / Reluzindo muito rapidamente. / Lembrando-me, / E dando-me uma / razão. /Eu sei que / Minha meta é mais que uma reflexão. / Eu chegarei lá, / Quando eu ensinar o que me foi ensinado, /E me foi ensinado... // Você sabe que lhe contamos antes, / Mas você não nos ouviu. / Então você ainda pergunta por quê. / Não! Você não escutou novamente. / Você não escutou novamente. // Doces lembranças. / Eu nunca pensei que isto seria assim. / Lembrando-me / Do quão perto cheguei de perder. / Eu sei que / Este é o caminho para eu seguir. / Você chegará lá, / Quando você souber o que eu sei. / E eu sei... // Você sabe que lhe contamos antes, / Mas você não nos / ouviu. / Então você ainda pergunta por quê. / Não! Você não escutou novamente. / Você não escutou novamente.)
Neste lado B, opostamente, o protagonista surge muito disposto a espalhar as novidades aprendidas por ele. Porém, deixando bem claro que já não é a primeira vez que este se põe, junto com outros, já que o refrão é narrado na primeira pessoa do plural, a ensinar suas lições aprendidas, ao que o interlocutor não teria dado ouvidos da primeira vez (ou primeiras vezes). O tom aqui também é de alegria e esperança, ao contrário do extremamente melancólico e desesperançoso contido em "Soliloquy".

As "Lágrimas" só rolam nesta parte do disco não por que o protagonista se sente totalmente sem forças, mas por que este é convencido, "profundamente", por aquelas que descem pelo rosto de quem tem por quê chorar: "a verdade". "Tears" descreve alguém que vivia perdido em sentimentos contrários aos que agora tinha e que fora regenerado por representação profunda de sentimento ao ver as lágrimas rolarem pelo rosto daquele que o tentava convencer da verdade.

"Tears"
All of the seasons
And all of the days
All of the reasons
Why I've felt this way
So long, so long
Then lost in that feeling
I looked in your eyes
I noticed emotion
And that you had cried
For me
I can see
What would touch me deeper
Tears that fall from eyes
That only cry?
Would it touch you deeper
Than tears that fall from eyes
That know why?
A lifetime of questions
Tears on your cheek
I tasted the answers
And my body was weak
For you
The truth
 (RUSH - 2112 -  MercuryRecords; Toronto, 1976)
("Lágrimas": / Todas as estações / E todos os dias / Todas as razões / Por que me senti desta forma / Tanto tempo, tanto tempo // Então perdido naquele sentimento / Eu olhei nos seus olhos / Percebi emoção / E que você tinha chorado / Por mim / Eu posso ver / O que me tocaria mais profundamente / Lágrimas que caem de olhos / Que apenas choram? / Isto te tocaria mais profundamente / Do que lágrimas que caem de olhos / Que sabem por quê? // Uma vida de perguntas / Lágrimas na sua bochecha / Eu experimentei respostas / E meu corpo foi fraco / Por você / A verdade).

Bem próxima do amor romântico, contendo sofrimento e regeneração, a canção parece supor que que só a verdade, só o amor, sincero, é capaz de realmente modificar uma situação; contudo esse amor pode, aqui, ir além de um relacionamento interpessoal; levando em conta o que aqui se percebeu das intenções do grupo, é quase certo se tratar de um amor por um ideal, de liberdade, que seria o verdadeiro amor ao próximo, amor a todos que pretendem uma vida digna, ao contrário do amor pessoal, que pretende o bem irrestrito de uma única pessoa.

Fechando o Lado, e o disco, "Something For Nothing" retoma o tema de "V. Oracle: The Dream", ao mostrar um narrador se dirigindo a alguém que espera por mudanças, que espera por tempos melhores, que espera por alguém que o livre de seus males, avisando que nada acontece por nada: alguém teria que por as mudanças possíveis em prática, e esta única pessoa capaz de agir a favor da verdade seria aquela que tem conhecimento da verdade; portanto, este que sabe, mas espera. Seria então uma palavra de ordem para aquele que sabe como tudo poderia ser melhor: este teria que proporcionar a mudança ao agir a favor dela.


"Something For Nothing"
Waiting for the winds of change
To sweep the clouds away
Waiting for the rainbow's end
To cast its gold your way
Countless ways
You pass the days
Waiting for someone to call
And turn your world around
Looking for an answer to
The question you have found
Looking for
An open door
You don't get something for nothing
You can't have freedom for free
You won't get wise
With the sleep still in your eyes
No matter what your dreams might be
What you own is your own kingdom
What you do is your own glory
What you love is your own power
What you live is your own story
In your head is the answer
Let it guide you along
Let your heart be the anchor
And the beat of your own song
 (RUSH - 2112 -  MercuryRecords; Toronto, 1976)
("Algo Por Nada": Esperando pelos ventos de mudança / Para varrer as nuvens para longe / Esperando o fim do arco-íris / Largar o ouro dele no seu caminho / De incontáveis maneiras / Você passa os dias // Esperando que alguém chegue / E gire todo o seu mundo / Procurando uma resposta / Para a pergunta que você achou / Procurando por / Uma porta aberta // Você não consegue algo por nada / Você não pode ter liberdade de graça / Você não ficará sábio / Com o sono ainda em seus olhos / Não importa quais sejam seus sonhos // O que você possui é seu próprio reino / O que você faz é sua própria glória / O que você ama é seu próprio poder / O que você vive é sua própria história / Na sua cabeça está a resposta / Deixe ela te guiar adiante / Deixe seu coração ser a âncora / E o batimento da sua própria canção)

Partindo da hipótese deste ser um Lado dedicado a acontecimentos anteriores ao suposto "2112", é possível imaginar se tratar esta canção daquele mesmo "Oráculo" que, num sonho, exigiu que o protagonista, sabendo da verdade através dele, tomasse o comando de si e provocasse as mudanças de que o "Planeta Vermelho" necessitava para que a liberdade criativa florecesse e prosperasse.

Assim sendo, já saberíamos o que viria a seguir, a recusa do protagonista, e a posterior incógnita contida em "VII: The Grand Finale".

Mas há uma outra alternativa: partir da hipótese deste Lado B ser sobre os acontecimentos pós "VII: The Grand Finale", mas, neste caso, ficaria a cargo do leitor formular sua argumentação a respeito, sobretudo por causa da dificílima tarefa de explicar por que o ano de 2112 seria o passado de 1976.

Ou então, como pensam muitos, este Lado B não ter nada a ver com o Lado e A e ser composto por músicas soltas e comercialmente feitas com o simples propósito de preencher espaço e conquistar o público consumidor menos ávido por novidades conceituais. Assim não precisaremos mais nos delongarmos em divagações a respeito de símbolos, significantes e semântica.

Por isso tudo acho que o disco é genial, principalmente por conter tantas incógnitas proporcionadoras de conjecturas.